A confusão dessas imagens incessantes
a que a razão dá uma clareza pulsante,
assim como após a maré cheia vem a vazante,
e podemos encontrar na areia
tudo o que o mar da imaginação abandona ao pensamento
em sucessivas ondas, a cada momento,
conchas e estrelas, versos e fragmentos
de um discurso amoroso ou de um método,
ou a idéia de um poema no seu todo,
ainda que as cinzas das palavras obscureçam
a fosforescência das imagens
ou nos entonteçam com a fogosidade de ondas selvagens,
dando brilho com a luz da lua fria de um estilo escorreito
à opacidade dessas miragens de que o poeta é objeto e sujeito.
E a imagem, ao encontrar o seu sentido,
desaparece no pensamento como a água na areia.
O resto reflui, perdido, ao mar,
ao qual já não se deve escutar,
incessante canto de sereia.
Só o que importa, agora, é trabalhar o que ficou na areia,
e com este material levantar o castelo do poema,
edificando, com a despreocupação de uma criança,
fonema a fonema,
mas com o conhecimento do arquiteto,
para não afundar os alicerces, nem elevar demais o teto.
Fixando cada canto, cada contorno,
com o cuidado de um marceneiro que trabalha no seu torno
a madeira de um navio para uma viagem sem retorno.
O poeta, no poema, dele mesmo esquece,
assim a criança no seu castelo de areia não vê que escurece
e, em torno deles, a noite e a morte se tecem.