terça-feira, 25 de novembro de 2008

MAGIA DA COMPOSIÇÃO

A confusão dessas imagens incessantes

a que a razão dá uma clareza pulsante,

assim como após a maré cheia vem a vazante,

e podemos encontrar na areia

tudo o que o mar da imaginação abandona ao pensamento

em sucessivas ondas, a cada momento,

conchas e estrelas, versos e fragmentos

de um discurso amoroso ou de um método,

ou a idéia de um poema no seu todo,

ainda que as cinzas das palavras obscureçam

a fosforescência das imagens

ou nos entonteçam com a fogosidade de ondas selvagens,

dando brilho com a luz da lua fria de um estilo escorreito

à opacidade dessas miragens de que o poeta é objeto e sujeito.

E a imagem, ao encontrar o seu sentido,

desaparece no pensamento como a água na areia.

O resto reflui, perdido, ao mar,

ao qual já não se deve escutar,

incessante canto de sereia.

Só o que importa, agora, é trabalhar o que ficou na areia,

e com este material levantar o castelo do poema,

edificando, com a despreocupação de uma criança,

fonema a fonema,

mas com o conhecimento do arquiteto,

para não afundar os alicerces, nem elevar demais o teto.

Fixando cada canto, cada contorno,

com o cuidado de um marceneiro que trabalha no seu torno

a madeira de um navio para uma viagem sem retorno.

O poeta, no poema, dele mesmo esquece,

assim a criança no seu castelo de areia não vê que escurece

e, em torno deles, a noite e a morte se tecem.

ESCREVER SOBRE ESCREVER

“É espantoso que as pessoas não tenham encontrado uma linguagem para expressar a sua ignorância”. Witold Gombrowicz

Escrevo sobre o que não sei. Ao escrever, o que pretendo é arrancar-me da dúvida, da perplexidade, não para chegar a alguma resposta – não acredito em respostas –, mas para preencher o vazio da vida com palavras. Não escrevo para os que têm certezas, antes para os perplexos, para os que, como eu, só sabem perguntar, assumindo suas contradições no abismo dessa perplexidade, mas sem medo. A perplexidade é a forma mais aguda do pensamento; a reflexão, a mais passiva.

Todo escritor tem a vontade de escrever sobre escrever. Tratar da sua relação com as palavras. Segundo Jean Ricardou, mais que contar aventuras, o que há a fazer é contar a aventura de contar. Será necessário reflexionar sobre um instrumento para fazer dele? Sopesará um médico o bisturi, perguntando-se quantos gramas pesará, quanto mede a lâmina, ou usa-o instintivamente, de acordo com a necessidade da cirurgia, movido pela experiência que a sua formação e a prática lhe conferiram? Este escrever sobre escrever não será uma forma de demonstrar a impossibilidade de fazê-lo?

Como não tenho certeza de nada, jogo com estas palavras fazendo do meu pensamento uma montanha – se preferirem, uma salada – russa. O simples relatar já impede que o texto se feche à interpretação do leitor, além do que apresenta. Ao escrever um texto, este texto, estou pondo à provao meu conhecimento, a minha capacidade de compreensão e expressão, o meu entendimento do mundo e, afinal, a mim mesmo. Disponho o que penso saber, buscando o que pretendo descobrir, e descobrindo que sei, enquanto escrevo, instauro um novo conhecimento sobre o que narro ou descrevo. Quem escreve, se não escreve a si mesmo em cada parágrafo, poderá ser um autor, não um escritor. E, acreditem-me, há mais autores que escritores. Aqui faço uma bifurcação nesta diferença já anotada por Affonso Romano de Sant´Anna. Um acadêmico – sem nenhuma conotação pejorativa, por favor –, por certo discordará. Para ele é a razão, disciplinadora, que deve conduzir, por caminhos previamente traçados e delimitados, a emoção, afastando-a da deletéria imaginação. Que não ouse intrometer-se a imaginação nesse percurso simétrico e sem percalços. Mas escrever é descobrir, descobrindo-se. Não deve ser inteiramente planejado sob pena de perder o viço. É o improviso que torna vivo um texto. Ao deparar-se, enquanto escreve, com algo novo, algo que o surpreende na sua trama, é que o escritor surpreende o leitor. A imaginação, ao contrário da natureza, dá saltos. Quem se propõe a sofrear a sua imaginação, domando-a, conduzindo-a, em vez de se deixar levar por ela, não é um escritor, é um burocrata da palavra. Eu prefiro que a minha imaginação me assuste, me transporte em seu lombo por caminhos desconhecidos, que nem pensava percorrer. Como escreveu Ernest Junger, em outro contexto: Não fracassamos por culpa dos nossos sonhos, mas por não sonharmos com suficiente intensidade.

Permitam-me, numa breve interpolação, dar um exemplo da imaginação agindo sobre a emoção e a necessidade de escrever : Walter Scott caçava quando a imaginação lhe sobrepõe à ação uma cena de um romance que escrevia. Esquece a presa que perseguia e, abatendo um corvo, arranca uma pena, faz uma ponta, mergulha-a no sangue da ave e, caçando a cena, escreve-a num pedaço de camisa que rasgou para tal fim. Eis a imaginação conduzindo a emoção e a ação. Eis o escritor.

Toda obra de um artista é forjada pela imaginação numa reação às suas circunstâncias.


Gilberto Wallace Battilana

AO LEITOR


Com o idealismo de um poeta e a objetividade de quem deseja, através de uma voz uníssona – plural, multívoca, a de todos os que se engajarem em participar deste blog – é que nos lançamos, com a disposição de encontrar colaboradores das mais diversas origens, respeitando, sem necessariamente endossá-las, as opiniões e formas de expressão de cada um. Nestas páginas pretendemos agregar as solidões literárias anônimas, dispersas propondo uma confluência, um continente de idéias.

Convido a cada um a achegar a sua contribuição traduzida em comentário, poema, conto, artigo, crítica, ensaio, neste espaço para exame e discussão das mais variadas manifestações.

Será alvo também deste blog os acontecimentos literários que suscitem indagações e debates de interesse de escritores – sem eles não haveria razão para a existência deste blog – e também dos leitores, esses interessados em literatura que não escrevem, mas permanecem atentos aos eventos culturais.

Livros, disse um escritor alemão, são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas. É isso que pretendo seja este blog, uma carta dirigida a amigos, ainda que distantes e desconhecidos.

Gilberto Wallace Battilana