quarta-feira, 12 de abril de 2017

FRAGMENTO DE PALESTRA PROFERIDA 

NO  INSTITUTO CULTURAL 

BRASILEIRO-NORTE AMERICANO.

Gilberto  Wallace  Battilana

Escrever poesia é um ato intelectivo de apreensão interpretativa da realidade, do mundo. Um poema bem estruturado tem uma densidade a que nada mais é possível acrescentar ou retirar. Ao contrário do sentimentalismo que é pastoso, melado. Quantos existem que confundem com poesia suas anotações sentimentais e sensações pessoais, sem dar-lhes o tratamento estético necessário e a dimensão humanística transcendente que a poesia exige, ou a ironia, que é uma das marcas da contemporaneidade.  

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  Se alguma posição julgar necessário adotar o intelectual, que seja a da defesa da literatura, da cultura, e, no Brasil da educação e do nacionalismo, distanciando-se da lógica binária internacional, apesar dessa tão apregoada globalização, com suas tensões políticas forjadas por uma economia financeira sedenta de mais lucro para as nações colonizadoras e predatórias capitalistas, tendo como seu igual adversário um comunismo, disfarçado sob a capa do socialismo, que se revela igualmente predatório e totalitário. Essa globalização de que tantos falam não é mais do que uma nova face tecnocrática do colonialismo.
Nessa “modernidade líquida” expressão cunhada por Bauman para essa realidade ambígua, multiforme, onde, como na clássica definição marxista, aproveitada por Marshall Berman para título de um livro seu, “tudo que é sólido se desmancha no ar”, a forma mais legítima de um poeta defender a sua posição é justamente o inconformismo estético, a recusa em colocar a sua arte, a sua linguagem expressiva, a serviço de que causa for, negando-se a tornar-se serventuário de ideologias.
A Poesia é, antes de tudo, liberdade de expressão individual do poeta, sem submissão. A responsabilidade social do poeta, sua consciência da realidade, deve se refletir não em uma posição ideológica, mas numa proposição estética e ética. A sua bandeira deve ser a de Baudelaire, Whitman, Pessoa, não a de Adam Smith ou Karl Marx.
Não ignoro as minhas limitações nem pretendo nenhuma análise dos fenômenos estéticos, filosóficos, éticos e sociais que envolvem a poesia. Pretendo, sim, destacar alguns temas que merecem atenção dos que nos ocupamos com a poesia ou nos deleitamos com a sua leitura.
Se iludem os que pensam que a poesia é a expressão de sentimentos, e há os que pensam assim. São os que se consideram inspirados, intuitivos, iluminados, como mais se queiram denominar, que imaginam bastar o desejo de abraçar a poesia para que ela corresponda.
Há tanto poema e tão pouca poesia, escreveu Schlegel. E, no entanto, muitos adquirem crédito e saem a escrever e a publicar poemas por aí, sinônimos de literatice, expressão de um eu narcísico ou textos herméticos que alcançam o desconexo, o iletrismo.
E alguns alcançam o que pretendem: ser personagem da mídia. Fazem das suas vidas mais que públicas, publicitárias. Tornam-se mais conhecidos pelas entrevistas e pelas fotografias do que pela sua obra. São os filhos da pu...blicidade. Como se não lhes fosse necessário o conhecimento do que Humboldt já ensinava há mais de um século: “ ... da conexão entre o som e o significado, a qual raramente se presta uma elucidação exata; muitas vezes é apenas entrevista e, na maioria dos casos, permanece obscura...” . Da descoberta dessa união nasce o poema. Foi essa pretensa novidade de interpretação que Ferdinand de Saussure fez do signo verbal como unidade indissolúvel de dois constituintes: o significante e o significado. Não cabe aqui me estender sobre a semiologia ou semiótica, só dizer que Agostinho de Hippona já apresentava um desenvolvimento dos estudos dos estoicos sobre a ação dos signos.
A linguagem poética usa mais a conotação que a denotação. Um significante jogando com variegados significados, numa polissemia. Importa a forma de expressar o que se quer dizer. No poema importa a visão peculiar com que o poeta vê o mundo. E não falo aqui em originalidade, originalidade é bom para premio de fantasia em baile de carnaval. Falo na sinceridade do poeta em revelar a sua sensibilidade no que expressa.
“O transcendental não pode ser o subjetivo”, nos diz Aganbem, “a menos que o transcendental signifique simplesmente o linguístico”. Há uma cisão entre língua e discurso; entre semiótico e semântico; entre o sistema de signos e o poema. Numa tentativa de aproximação psicológica poderia dizer que a linguagem do discurso poético é fundamentado na vivência e no aprendizado do poeta, iniciando com a infância do homem que se torna poeta. Mas é na linguagem e através da linguagem que o homem se institui poeta. O transcendental, a alteridade na sua essência, está naquele eu é um outro, de Rimbaud. Nessa consciência de um intersubjetivo que existe para todos é que se realiza o poema.

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